
Seu único filho era bonito demais para ser fruto duma mulher daquela. Diziam as más línguas que o rapaz era filho de uma sobrinha bastarda da velha que, por engravidar ainda menina, abandonou a criança. Mas isso pouco importava.
Os sentidos que se aguçavam quando o moço passava impedia as fofocas sobre o passado. Era alto, atlético e com olhos tão azuis como o céu. Seu sorriso era como um labirinto sem fim no qual todas elas se perdiam sem querer; e depois de estarem lá dentro, elas sempre desejavam que ele estivesse.
Era o “filhinho da mamãe”, único motivo de orgulho e felicidade da velha rabugenta com perfume de lavanda. Formado em direito, serviu o exército por um ano ou dois. Nada de defeitos: nenhum boato, nenhuma garota ele fez mãe, nenhuma briga de rua. Andava para cima e para baixo com uma moça tão estonteante como ele. Dona Josefa voltava do interior mais cedo numa tarde de quinta-feira. Ela havia passado uns dias com as irmãs na cidade natal. Com a pose afetada pela idade, a velha andava vagarosamente até o portão de casa pela calçada molhada com pedacinhos de folhas queimadas pelo sol. Abriu o portão com uma delicadeza que normalmente não tinha em seus gestos, foi até a cozinha com seus passos lentos a procura do filho. Não achou. Ouviu barulhos estranhos, temeu algo. Resolveu adentrar o corredor com sua pistola na mão esquerda. A porta no fundo do corredor estava entreaberta; era do quarto da ranzinza que vinha os ruídos questionáveis.
Abriu a porta com tamanha rapidez que recordou dos bons tempos; teve a pupila dilatada, as mãos suadas, os pelos do corpo arrepiados e a boca trêmula: o filho era homossexual – e passivo, camaradas.
Numa adrenalina vinda dum baú não mais utilizado, a velha matou o homem que estava na parte de trás do filho no susto. Matou o filho. Olhou para a última bala e deu um tiro na cabeça. Quem conta a história, é a vizinha do lado que estava na janela se excitando com a fornicada dos rapazes e acabou presenciando miolos voando pelo quarto azul turquesa da velha. A mulher no auge de seus 45 e solteirona diz: “A dona não agüentou, talvez liberdade fosse algo com a qual ela nunca soube lidar.”